Virtudes Vazias
- Roger
- 4 de fev.
- 2 min de leitura
"Que a Arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba..."
(Oswaldo Montenegro, do poema "Metade")
Em algum momento da história da humanidade, um indivíduo, muito provavelmente, ao constatar que não conseguiria alcançar um fruto em uma árvore, precisaria de outro indivíduo, que por sua vez, também precisaria do primeiro para fazer fogo, e que ambos precisariam de outros indivíduos para outras tantas necessidades.
As organizações humanas foram surgindo para suprir necessidades básicas e urgentes, as quais em muitos casos, não era possível realizar de forma isolada; segurança, alimentação, reprodução, proteção da prole, dos feridos e dos idosos, a transmissão de conhecimento, dentre outras.
À medida em que tais organizações se tornavam mais complexas, os indivíduos, seja por pura necessidade, ou mesmo por afinidade, se dedicavam a atividades mais específicas, ocupando seu lugar no meio social; ter uma ocupação, uma função, é fundamental para que este indivíduo seja reconhecido como pertencente àquela aldeia, tribo, vilarejo: seu pertencimento está diretamente vinculado com a sua contribuição dada para a coletividade.
Talvez faça algum sentido, em algumas organizações, que os nomes das pessoas sejam acompanhados das profissões que exerciam, ou exercidas pela família.
Talvez faça algum sentido, em algumas organizações, a repulsa aos forasteiros.
Ou também faça algum sentido, o pavor que um indivíduo tinha de ser banido.
Os séculos passaram, o valor deixou o indivíduo e passou para a coisa, a velocidade das mudanças tecnológicas foi muito maior do que a capacidade das organizações humanas em se adaptar, e uma das várias consequências foi a pasteurização das habilidades, talentos e virtudes das pessoas.
Tiraram progressivamente a capacidade de autoconhecimento, permitindo apenas que o indivíduo aprenda aquilo que é necessário para os detentores hegemônicos das formas de obtenção de riquezas.
Como tais necessidades mudam ao sabor das demandas, sempre mutantes, estas fazem com que o indivíduo esteja sempre desatualizado, induzido a investir o pouco que guarda – quando guarda, quando não recorre aos familiares - em intermináveis upgrades, em forma de cursos, novas graduações e pós-graduações, ou em profissionais de recolocação, na sôfrega tentativa de obter alguma forma de pagar suas contas e, quem sabe, experimentar alguma satisfação.
Talentos e vocações são relativizados e subordinados ao que atualmente se denominam competências.
Tal como ocorre na moda, aquilo que antes estava “na crista da onda”, de uma hora para outra, não serve mais para garantir a permanência na ocupação atual.
De um lado, capacidades, virtudes e habilidades inatas, que são esvaziadas para que se estabeleça uma maior relação de dependência entre os indivíduos e os detentores hegemônicos dos recursos econômicos e de trabalho; de outro, virtudes vazias preenchidas pela dependência e da premente necessidade de sobrevivência.
O que esperar da nossa civilização?
Música do dia: "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola

2024 - RDA Eventos Artísticos
Comments